As Crianças Nascem Pessoas

As Crianças Nascem Pessoas

Liberdade vs Várias Formas de Tirania

Por Charlotte Mason

Tradução do “Children Are Born Persons” para o português.

Publicado pela primeira vez em The Parents’ Review, volume 22, junho de 1911 (pg. 419-437).

“O mistério de uma pessoa, de fato, é sempre sublime para aquele que tem um sensouh para o divino”.

– Carlyle.

“Nós vivemos de admiração, esperança e amor!

E quando estes estão bem e sabiamente firmados,

Na dignidade de ser nós ascendemos”.

– Wordsworth.

[¶1] Muitos de nós ficamos surpresos ao ler no Times, no verão passado, as descobertas feitas por exploradores alemães no local da primeira capital da Assíria. Layard havia nos tornado há muito tempo familiarizados com os templos e palácios; mas não esperávamos descobrir que todas as casas, mesmo as menores, parecem ter contido um banheiro. Da mesma forma, ficamos surpresos ao ler sobre as grandes obras de irrigação realizadas pelo povo do México antes de Cortés introduzi-los ao nosso mundo oriental. Hoje, ficamos surpresos ao descobrir que a literatura e a arte da China antiga são coisas a serem levadas a sério. Vale a pena considerar por que esse tipo de surpresa ingênua se desperta em nós quando ouvimos falar de uma nação que não esteve sob a influência da civilização ocidental, competindo conosco em nossas próprias linhas. A razão é, talvez, que consideramos uma pessoa como um produto e possuímos uma espécie de fórmula inconsciente, algo assim: dadas tais e tais condições de civilização e educação, teremos tal e tal resultado, com variações. Quando encontramos o resultado sem as condições que pressupomos, claro, ficamos surpresos! Nós não entendemos o que Carlyle chama de “o mistério de uma pessoa”, e, portanto, não vemos que a possibilidade de altas realizações intelectuais, obras mecânicas surpreendentes, possa recair sobre as pessoas de qualquer nação. Portanto, não precisamos nos surpreender com as conquistas das nações do passado distante, ou em países remotos que não tiveram o que consideramos nossas grandes vantagens. Esta doutrina, do mistério de uma pessoa, é muito saudável e necessária para nós nos dias de hoje; e nos esforçássemos para entende-la, não tropeçaríamos como acontece em relação aos nossos esforços de reforma social, educação, relações internacionais. A linha poética banal de Pope viria até nós com nova força, e seria uma simples questão de que:

“O estudo adequado da humanidade é o ser humano”.

[¶2] O mistério de uma pessoa é de fato divino, e o extraordinário fascínio da história está nisto, que este mistério divino continuamente nos surpreende em lugares inesperados. Como Jacó, nós choramos diante da simpatia do selvagem, da cortesia do camponês: “Contempla. Deus está neste lugar e eu não sabia”. Tentamos definir uma pessoa, a pessoa mais comum que conhecemos, mas ela não se submeterá aos limites de um molde: alguma beleza inesperada da natureza irrompe; descobrimos que ela não é o que pensávamos e começamos a desconfiar de que toda pessoa excede nosso poder de mensuração.

[¶3] Acreditamos que o primeiro artigo do credo educacional da P.N.E.U ― “crianças nascem pessoas” ― tem um caráter revolucionário; pois o que é uma revolução senão uma inversão completa de atitude? E no momento em que tivermos adotado essa ideia singular, digamos, daqui a uma ou duas décadas, descobriremos que mudamos de rumo, invertemos nossa atitude em relação às crianças, não apenas em algumas poucas particularidades, mas completamente.

[¶4] Wordsworth apresentou apenas pequenos pedaços da verdade: os poetas transmitem, não menos, mas muito mais do que dizem; e quando o poeta diz: “Tu, melhor filósofo”, “tu, que entre os cegos tens enxergado”, “Sempre mais, pela mente eterna, assombrado”, “Poderoso profeta! Abençoado vidente!”, e assim por diante ― frases que todos nós conhecemos de cor, mas quantos de nós prestamos atenção? ― podemos ter certeza de que ele não está usando verborragia poética, mas está fazendo, a seu ver, uma vã tentativa de explicar a imensidão de uma pessoa e a imensidão ainda maior da pequena criança, d[ cujas vastas posses ainda não estão como que hipotecadas, mas estão todas ali para sua vantagem e seu lucro, sem nenhum Chanceler do Tesouro para cobrar impostos e requerer rendimentos! Mas talvez esta última afirmação não seja tão certa; talvez o imposto territorial sobre as Posses da Criança seja realmente inevitável, e cabe a nós, pais e anciãos, investigar a propriedade e fornecer os rendimentos.

[¶5] Wordsworth não procurou um campo inexplorado quando descobriu a criança. Thomas Traherne, um poeta muito anterior, cujas obras, como sabemos, só recentemente foram trazidas à luz, é, penso eu, mais convincente do que ele; porque, embora não possamos olhar para trás em nossos filhos como Videntes e Profetas e Filósofos, podemos nos lembrar muito bem do tempo em que todas as crianças eram para nós “meninos e meninas de ouro”; quando havia um encantamento sobre árvores e casas, homens e mulheres; quando estrelas, nuvens e pássaros não eram apenas delícias, mas possessões; quando todo esforço de força ou habilidade, o arremesso de uma pedra ou o uso de um pincel, era um deleite para contemplar e tentar; quando nossos corações e braços eram estendidos para todo o mundo, e amar e sorrir nos parecia o comportamento natural de todas as pessoas. Quanto às possessões, que alegria era uma pedrinha ou uma rolha, ou um pouco de vidro colorido, uma bola de gude ou um pedaço de corda! O encantamento de uma primeira invenção estava em tudo o que víamos e tocávamos. Deus e os anjos, homens e mulheres, meninos e meninas, a terra e o céu, todos pertenciam a nós com um inefável senso de possessão. Se duvidamos de tudo isso, apesar de que uma convicção resplandecente nos chega na pausa de nossos pensamentos, bem, porque, requer muito pouco poder interpretativo para vê-lo na serenidade e superioridade de qualquer bebê normal.

“Como um anjo eu desci!

Quão brilhantes são todas as coisas aqui!

Quando primeiro entre as Suas obras eu apareci,

Oh como a glória deles me coroou!

O mundo se assemelhava a Sua eternidade

Em que minha alma andou;

E tudo que eu vi

Comigo conversou.

Os céus em sua magnificência,

O ar alegre e adorável;

Oh, quão divino, quão suave, quão doce, quão justo!

As estrelas entretiveram meu senso,

E todas as obras de Deus, tão brilhantes e puras,

Tão rico e grande pareciam,

Como se eles devessem durar

Em minha estima.

As ruas foram pavimentadas com pedras de ouro

Os meninos e meninas eram meus

Oh como todos os seus rostos adoráveis brilhavam!

Os filhos dos homens eram santos

Em alegria e beleza eles apareceram para mim.

E tudo o que aqui encontrei

Que como um anjo eu vi,

Adornou o solo.

(Treharne)

[¶6] Todos nos lembramos do aviso divino: “Guardai-vos de não desprezar um destes pequeninos”; mas as palavras transmitem pouco significado definido para nós. O que chamamos de “Ciência” está muito enraizado em nós. Ou reverenciaremos ou desprezaremos as crianças; e enquanto os considerarmos como seres incompletos e subdesenvolvidos, que um dia chegarão à perfeição do homem, e não como pessoas fracas e ignorantes, cuja ignorância devemos informar e cuja fraqueza devemos apoiar, mas cujas potencialidades são tão grandes quanto as nossas, não podemos fazer outra coisa senão desprezar as crianças, por mais que gentilmente ou mesmo ternamente cometamos a ofensa.

[¶7] Assim que adquire palavras para se comunicar conosco, uma criança nos mostra que pensa com surpreendente clareza e franqueza, que vê com uma proximidade de observação que há muito tempo perdemos, que desfruta e que sofre com uma intensidade que há muito deixamos de experimentar, que ama com um abandono de si e uma confiança que, infelizmente, não compartilhamos, que imagina com uma fecundidade que nenhum artista entre nós chega perto, que adquire conhecimento intelectual e habilidade mecânica a um ritmo tão surpreendente que, se a taxa de progresso observada no bebê fosse mantida até a idade adulta, ele certamente se apropriaria de todo o campo do conhecimento em uma única existência.

[¶8] Devemos pedir uma confirmação do que pode parecer para alguns de nós uma declaração absurdamente exagerada dos poderes e progressos de uma criança? Considere: em dois ou três anos, ela aprende a falar uma língua ― talvez duas ― idiomática e corretamente, e muitas vezes com uma aptidão literária surpreendente no uso das palavras. Ela se acostuma a um lugar inexplorado e aprende a distinguir entre o distante e o próximo, o plano e o redondo, o quente e o frio, o duro e o suave, e cinquenta outras propriedades pertencentes à matéria, novas para sua experiência. Ela aprende a reconhecer inumeráveis objetos por sua cor, forma, consistência, de uma maneira que na verdade, nós não sabemos. Quanto à habilidade mecânica que ela adquire, o que é o canto em comparação com a articulação e o gerenciamento da voz falada? O que é patinar ou esquiar em comparação com a arte monstruosamente difícil de equilibrar o corpo, plantar os pés e direcionar as pernas na arte de andar? Mas assim que adquirida, a caminhada instável se torna uma corrida fácil! Quanto ao seu poder de amar, qualquer mãe pode nos dizer como seu bebê a ama muito antes de poder dizer o nome dela, como ele se fixa em seus olhos, se aquece em seu sorriso e dança na alegria de sua presença. Todos sabem essas coisas; e por essa mesma razão, ninguém percebe a maravilha desse rápido progresso na arte de viver, nem advoga a partir disso isso que uma criança, mesmo uma criança pequena, não seja uma pessoa desprezível julgada por qualquer um dos padrões que aplicamos aos mais velhos. Ela pode realizar mais do que qualquer um de nós poderia em um determinado momento, e, supondo que poderíamos começar de uma maneira justa com ela nas coisas que ela pratica, ela estaria muito à frente de nós até o final de seu segundo ano. Estou considerando uma criança como ela é: não com Wordsworth, nas alturas além, nem com o evolucionista, nas profundezas aquém; porque uma pessoa é um mistério; isto é, não podemos explicá-la ou prestar esclarecimentos sobre ela, mas devemos aceitá-la como é.

[¶9] “É claro que devemos”, você afirma; “o que mais o mundo faz senão aceitar uma criança como algo natural? E apenas os modistas se importam com suas origens.” Mas não estamos indo rápido demais? Nós realmente aceitamos as crianças como pessoas, diferenciadas de homens e mulheres por suas fraquezas, as quais nós devemos valorizar e apoiar; por suas incomensuráveis ignorâncias, que devemos instruir; e por aquela bela coisa indefinida que chamamos de inocência das crianças que suponhamos, de uma maneira vaga, ser uma defesa contra os maus caminhos das pessoas adultas? “Mas as crianças são gananciosas, passionais, cruéis, enganosas, em muitos aspectos, mais culpadas do que os mais velhos”; e, mesmo com tudo isso, elas são inocentes. Valorizar nelas a qualidade que chamamos de inocência, e Cristo descreve como a humildade das pequenas crianças é, talvez, a tarefa mais difícil e importante diante de nós. Se somos responsáveis por manter uma criança inocente, devemos então libertá-la da opressão de várias formas de tirania.

[¶ 10] Se nos perguntarmos: Qual é o direito mais inalienável e sagrado de uma pessoa enquanto pessoa? Eu suponho que a resposta seja liberdade! Crianças são pessoas; ergo, as crianças devem ter liberdade. Os pais suspeitaram disso por uma ou duas gerações e se esforçaram para não “interferir” em seus filhos; mas nossos hábitos frouxos de pensamento entram em nosso caminho e, no próprio ato de dar liberdade aos filhos, lhes impomos correntes, que lhes manterão escravizados por toda a vida. Isso porque confundimos liberdade com licenciosidade e não percebemos que as duas não podem coexistir. Todos nós sabemos que o anarquista, o homem que alega viver sem regras, ser uma lei para si mesmo é, na realidade, escravo de certas fórmulas ilógicas, as quais se mantém preso, leis de vida e morte. De igual modo, a mãe nem sempre percebe isso, quando dá ao seu filho licença para fazer coisas proibidas, ficar acordado meia hora além da hora de dormir, não fazer Geografia ou latim com sua governanta porque odeia tais matérias, comer dois ou três pedaços a mais porque gosta do pudim, ela está tirando da criança a ampla liberdade da lei impessoal, que é, em última análise, a vontade da criança de fazer o certo. É a criança que está dobrando sua mãe quando o galho proverbial está dobrado, e ele não é de todo iludido pelo oráculo “nós veremos”, com o qual a mãe tenta cobrir quando volta atrás na palavra. A criança que aprendeu que, por exigências persistentes, ele pode fazer o que quiser e ter o que gosta, se ele consegue o que quer por meio de gritos tempestuosos ou por seus modos sedutores, ele se torna o mais lamentável de todos os escravos, o escravo dos desejos do acaso; ele vai viver para dizer com o poeta:

“Eu esta liberdade injustificada sinto:
Sinto o peso do desejo.”

[¶11] De fato, ele já sente esse peso, e é por isso que ele está agitado e descontente e acha tão pouco de alegria em sua vida. Então, “você restringiria uma criança em todos os sentidos?” Diz você, “devemos ser como aquela mãe em Punch, ‘Vá e veja o que Tommy está fazendo e diga que ele não deve!’ Ou ele deve ser como o garoto na escola, que obtêm notas ótimas por dez virtudes, como ordem, pontualidade, obediência, polidez, e assim por diante, e leva uma distinção quando não perde nenhuma dessas marcas? ”Tal sistema acabaria com a liberdade do lar. E, além do mais, a criança que foi criada com ordens de “faça” e “não faça”, ou sobre as “notas” que representam estas ordens, não está estabelecendo nenhum fundamento de princípios sólidos sobre os quais vai erguer sua vida. Deixe-a aprender que “faça como você é solicitado” é o primeiro dever de uma criança; que a vida de sua casa é organizada em algumas injunções como “seja verdadeiro”, “seja gentil”, “seja cortês”, “seja pontual” e que fracassar em qualquer desses aspectos é indigno e impróprio; e mais, assegure a ela que tais fracassos são da natureza do pecado e desagradam a Deus, e ela crescerá para encontrar prazer na obediência, e gradualmente acumulará os princípios que devem guiar sua vida.

[¶12] Mas o primeiro dever dos pais é ensinar às crianças o significado de dever; e a razão pela qual alguns pais deixam de obter uma pronta e alegre obediência de seus filhos é que eles não reconhecem esse “dever” em suas próprias vidas. Eles optam por fazer isso e aquilo, optam por ir aqui e ali, têm instintos gentis e emoções benevolentes, mas não têm consciência da necessidade do dever, que deve direcionar sua fala e controlar suas ações. Eles se permitem fazer o que eles escolhem; pode haver pouco mal no que fazem; o mal é que eles se sentem livres para se permitir.

[¶13] Agora, os pais que não estão cientes de que eles estão vivendo em um mundo ordenado pela lei, que eles tem que comer “o fruto de seus pensamentos”, bem como o de suas palavras e ações, são incapazes de obter obediência de seus filhos. Eles acreditam ser o seu papel dizer o que a criança pode fazer ou deixar de fazer; e como eles não reivindicam infalibilidade papal, seus filhos descobrem em breve que o ordenamento de suas vidas está em suas próprias mãos, e que um pouco de persistência fará com que eles “partam” para fazer o que é bom aos seus próprios olhos. As pessoas discutem o valor do castigo corporal e acham que vêem nele a maneira de obter filhos obedientes. Pode ser assim, porque a obediência deve ser aprendida nos primeiros três ou quatro anos de vida, quando o susto de um pequeno tapa prende a atenção da criança, traz lágrimas e muda seus pensamentos. Na verdade, dificilmente é possível punir algumas crianças, a menos que sejam muito jovens, porque o prazer de exibir bravuras sob a excitação da punição ocupa a atenção da criança, ao invés da falta pela qual ele é punido. Mas toda essa discussão está fora da questão. Os pais, especialmente a mãe, que afirma que a regra de vida de seus filhos deve ser “filhos, obedeçam a seus pais, pois isto é certo!” certamente garante a obediência, assegurando a higiene pessoal ou hábitos adequados à mesa, porque ela tem um forte senso da importância dessas coisas. Como sua recompensa, ela ganha para seu filho a liberdade de um homem livre, que não está sob escravidão de sua própria vontade nem é vítima de seu próprio desejo.

[¶14] A liberdade da pessoa que tem o controle em si mesma de fazer o que é seu dever é o primeiro dos direitos que as crianças reivindicam como pessoas. O próximo artigo da Carta de Direitos da criança é a liberdade que chamamos de inocência e que encontramos descrita nos evangelhos como humildade. Quando refletimos nisso, não vemos como uma criancinha é humilde; ‘ela não é orgulhosa nem humilde’, dizemos; ela somente não pensa em si mesma: nós atingimos inconscientemente a solução do problema. A humildade, essa qualidade infantil que é infinitamente atraente, consiste apenas em não pensar em si mesmo. É assim que as crianças vêm e como em alguns lares elas crescem. Mas não devemos fazer nada para torná-los autoconscientes, nunca devemos admirar cachos bonitos ou vestidos bonitos? Nunca devemos mostrar nossa admiração para essas criaturas adoráveis, que nos lêem intuitivamente antes mesmo de poderem falar? Pobres pequenas almas, é triste quão rápido elas são submetidas a perder a beleza de seu estado primordial e aprender a manifestar a vulgaridade da exibição. Será que  copiar o belo costume ensinado às crianças alemãs e outras crianças continentais não nos ajudaria nesse assunto? A menina que beija a mão de uma senhora idosa, com uma bela reverência, é colocada na atitude própria de uma criança, ou seja, ela está prestando atenção e não recebendo atenção. A senhora também nos ensina, em sua posição: não fazemos grande admiração às crianças no momento em que estão demonstrando respeito por nós; mas isso é um detalhe. O princípio é, penso eu, que a queda individual do ser humano ocorre quando uma criança se torna consciente de si mesma, ouve como se não estivesse prestando atenção aos elogios de sua mãe sobre sua inteligência ou bondade, e procura a próxima chance de poder se mostrar. As crianças dificilmente merecem ser culpadas por isso. O homem que acende uma fogueira usando duas pedras experimenta uma surpresa tão excitante quanto a criança que se torna consciente de si mesma. O momento em que ela diz a si mesma: “Sou eu”, é um momento grandioso para ela, e ela exibe sua descoberta sempre que tem uma chance, ou seja, ela repete o pequeno show que estimulou a admiração de sua mãe e inventa novas maneiras de se exibir. Geralmente, sua autoconsciência toma a forma de timidez e nós a ensinamos diligentemente: “O que a sra. Fulana vai achar de um menino que não a olha nos olhos?” Ou “O que você acha? O senhor Jones diz que Bob está aprendendo a se comportar como um homem.” E Bob se exibe novamente com grande dignidade. Então, buscamos ocasiões de exibição para as crianças, a dança, a festa das crianças, a pequena brincadeira em que encenam, tudo inofensivo e saudável, se não fosse pelos comentários dos adultos e pela admiração transmitida pelos olhos amorosos. Devagar chegamos a falsa modéstia da adolescência. “Certamente, os meninos e meninas não são vaidosos e convencidos agora”, dizemos; e, de fato, os pobres jovens, simplesmente consumidos pela autoconsciência, estão cientes de suas mãos e pés, ombros e cabelos, e não podem esquecer-se por um momento em qualquer sociedade, exceto a do cotidiano. Nosso sistema de educação estimula a autoconsciência. Estamos orgulhosos de que nosso menino se distingue, mas seria bom para o jovem estudioso se a conquista de distinções para si mesmo não fosse apresentada a ele como um objetivo definido. Mas “enfim, onde está o mal?”, Perguntamos; “Este tipo de autoconsciência é uma falha venial e quase universal entre os jovens.” Só podemos ver a gravidade desta falha de dois pontos de vista – o dAquele que disse: “não é a vontade do Pai que um desses pequeninos pereça ”; e isso, eu entendo, significa que não é a vontade divina que as crianças devam perder sua qualidade distinta, inocência ou humildade, ou o que às vezes chamamos de simplicidade de caráter. Sabemos que existem pessoas que não a perdem, que permanecem simples e diretas no pensamento, e jovens de coração, ao longo da vida. Nós nos desculpamos facilmente quando dizemos: “Ah, sim, são pessoas felizes e constituídas, que parecem não sentir as ansiedades da vida”. O fato é que elas usam seu tempo sem uma auto-ocupação indevida. Para abordar a questão de um segundo ponto de vista, o caos causado nos nervos é em grande parte devido a essa autoconsciência, mais angustiante do que agradável, e a causa da depressão, morbidade, melancolia, toda uma lista de misérias que naufraga de muitos uma vida promissora.

[¶ 15] Nosso trabalho em assegurar às crianças a liberdade desta tirania deve ser positivo e também negativo. Não é suficiente que nos abstenhamos de um olhar ou palavra suscetível a virar os pensamentos de uma criança para si mesma, mas devemos fazê-la mestre de sua herança e dar-lhe muitas coisas deliciosas para pensar: “La Terre appartient à l’enfant, toujours à l’enfant” [a terra pertence à criança, sempre à criança], disse Maxim Gorki no recente Congresso Educacional realizado em Bruxelas. É certamente; a terra abaixo e o céu acima, e, ainda mais, como o pássaro tem asas para pairar no ar, assim tem a criança todos os poderes necessários para realizar e apropriar todo conhecimento, toda beleza e todas as coisas boas. Descubra maneiras de lhe dar todos os seus direitos, e ele (e mais especialmente ela) não se deixará incomodar consigo mesmo. Quem ouviu falar de um naturalista mórbido ou um historiador que sofria de melancolia!? Há uma grande libertação a ser forjada nessa direção, e o dever de sentinela recai sobre o soldado envolvido nessa guerra.

[¶16] A tirania do “eu” surge em outro lugar. A criança autoconsciente é muito provavelmente generosa, e a criança egoísta não é perceptivelmente autoconsciente. Ela está sob a tirania de um desejo natural – a ganância, o desejo de possessão, cobiça, avareza – e ela é bastante indiferente e insensível ao desejo e às reivindicações de outras pessoas. Mas não preciso falar muito sobre uma tirania que toda mãe encontra maneiras de conter; só isso devemos ter em mente: nunca há um momento na vida da criança em que seu egoísmo não tenha importância. Somos gratos ao romancista que produziu para nós aquele bebê fascinante “Beppino” e mostrou como a vontade engraçadinha, egoísta e infantil da criança se desenvolve na cruel insensibilidade do homem. [Joseph Vance por William de Morgan.] O egoísmo é uma tirania difícil de escapar; mas algum conhecimento da natureza humana, do fato de que a criança tem, naturalmente, outros desejos além daqueles que tendem à auto-gratificação, que ela ama ser amada, por exemplo, e que ela ama saber, ama servir e ama dar, ajudará seus pais a restaurar o equilíbrio de suas qualidades e a libertar o filho de se tornar escravo de seu próprio egoísmo. Vergonha e perda e privação devem ser a consequência onde motivos mais generosos falham; e, mais poderosa do que isso, é uma forte fé prática de que a criança egoísta não precisa se tornar, e não se destina a ser, um homem ou mulher egoísta.

[¶17] Outra liberdade que devemos reivindicar para as crianças é a liberdade de pensamento. Não digo que um jovem deva crescer como o jovem Shelley, que se revolta contra a escravidão da religião e da lei, mas sim que, supondo que todo o seu mundo fosse composto de “livre-pensadores”, ele ainda deveria ter a liberdade da mente, liberdade de pensamento, para rejeitar a incredulidade popular. A opinião pública é, na verdade, uma escravidão insuportável, e alguns de nós simpatizamos com o Kaiser em sua afirmação de seu direito individual de pensar por si mesmo. É um direito que deve ser protegido para toda criança, porque sua mente é sua posse gloriosa; e uma mente que não pensa e pensa seus próprios pensamentos é como um braço paralisado ou um olho cego. “Mas”, dizemos, “os jovens acabam com tantas noções selvagens: é realmente necessário ensinar-lhes o que pensar sobre homens e movimentos, livros e arte, sobre as questões do dia”. Ensiná-los o que pensar é um papel fácil, fácil para eles e para nós; e é assim que temos aulas estereotipadas em vez de pessoas individuais, e é assim que nós e as crianças deixamos de desempenhar a função mais importante da vida – a função do pensamento correto. Nós exageramos a importância do fazer certo, que pode ser meramente mimético, mas a importância do pensamento e do pensamento correto não pode ser exagerada. Para garantir que uma criança pense, não precisamos nos exercitar para enigmá-la. Pensar é como digestão, uma operação natural para órgãos saudáveis. Nossa verdadeira preocupação é que as crianças tenham um suprimento bom e regular de material mental para pensar; que elas devem ter grandes conversas com livros, bem como com coisas; que eles devam se tornar íntimas de grandes homens através dos livros e obras de arte que eles nos deixaram, a melhor parte deles mesmos. O pensamento gera pensamento; as crianças familiarizadas com grandes pensamentos acabam naturalmente a pensar por si mesmas à medida que o corpo bem nutrido leva ao crescimento; e devemos ter em mente que o crescimento, intelectual, moral e espiritual, é o único fim da educação. As crianças, que foram libertadas da República das Letras, não são facilmente influenciadas pelo pensar das massas, não são, de fato, escravos das opiniões de outras pessoas, mas pensam independentemente e contribuem isso, como devem, para seus países.

[¶18] A última tirania que podemos considerar é a da superstição. Temos a noção de que a educação liberta os homens dessa escravidão; mas a superstição é um inimigo sutil e recua de uma fortaleza apenas para se abrigar em outra. Nós não reivindicamos a cultura superior que os gregos ou mesmo os romanos possuíam; de fato, várias nações da antiguidade poderiam nos aconselhar, mesmo sendo altamente cultivados como nós nos imaginamos; mas é curioso que nenhuma nação, cujos registros possuímos, tenha sido capaz de se libertar da terrível escravidão da superstição por via da literatura, da arte ou do cultivo mais elevado. As tragédias de Ésquilo, Sófocles, Eurípides, têm todas um único tema horrível, o jogo arbitrário e imprudente dos deuses sobre a vida humana. De fato, já se foi discutido com profundidade que a tragédia na era cristã é impossível, porque a perda da esperança em qualquer situação implica a má vontade dos deuses; e  cito como um fato curioso que as três grandes tragédias de Shakespeare se passaram em tempos pré-cristãos, e a terceira é provocada por uma pessoa não-cristã. Essa consideração lança uma luz interessante sobre todo o assunto da superstição. Nós não elevamos mais os deuses, mas ainda falamos sobre destino e coisas semelhantes: Napoleão III está longe de ser o único “homem do destino”. Nós consultamos cristais, realizamos sessões com videntes, temos dias de sorte e azar, lemos nossas fortunas em nossas mãos; até mesmo a astrologia é praticada entre nós; e acreditamos que nao há mal, e mal percebemos o domínio que a superstição tem sobre nós. O fato parece ser que um ser humano é feito de tal forma que ele deve ter religião ou um substituto: e esse substituto, qualquer que seja a forma, é superstição, cujo poder de degradar e prejudicar uma vida não pode ser estimado. Se não queremos nossos filhos expostos a horrores que são muito terríveis para os jovens, nosso recurso é dar-lhes o conhecimento de Deus, e “a verdade os libertará”. É necessário ajudar a criança entender que ela em si é um espírito, e ela perceberá quão fácil e necessário é o acesso do Espírito Santo aos seus espíritos, como um amigo íntimo que está com ela, invisível, durante todos os dias; como o Todo Poderoso está sempre por perto para acalentar e proteger contra os poderes das trevas que não podem se aproximar dela, seguros nas mãos do “Amado Todo Poderoso”.

[¶19] Consideramos aqui vários tipos de tirania, nenhum dos quais são externos à pessoa, mas todos agem dentro dos limites de sua própria personalidade, porque: –

“A mente é seu próprio lugar e em si mesma
Pode fazer um inferno do céu, um paraíso do inferno”

O céu, suponho, quando o homem está em paz consigo mesmo e quando seus poderes são exercidos livremente e sabiamente; o inferno quando a pessoa não está sob nenhum governo interior e seus poderes são jogados no lixo. Pais e filhos podem ajudar e estimular qualquer uma dessas duas situações, tanto que, se o lugar de uma criança é um céu bem ordenado, ele agradece a seus pais por seu estado de felicidade; e, se ele está condenado a um “inferno” de inquietação e desejos ardentes e ressentimentos, não são seus pais culpados também?

[¶20] Até agora, consideramos a atitude negativa dos pais e dos que vivem o papel dos pais; mas também há um lado positivo, e aqui as linhas bem conhecidas de Wordsworth vêm em nosso auxílio:

“Nós vivemos de admiração, esperança e amor!

E quando estes estão bem e sabiamente firmados

Na dignidade do ser ascendemos”

[¶21] Ruskin nos familiarizou com a primeira linha do trio, mas as duas restantes estão cheias de orientação e instrução. É preciso um poeta para discernir o por que da razão de que é especialmente pelo desempenho dessas três funções que vivemos. Admiração, reverência, deleite, louvor, adoração, veneração. Nós sabemos como a alma cria asas quando ela admira, e como ela escala os céus quando ela adora. Sabemos, também, como a atitude provinciana da mente, nil admirari, paralisa a imaginação e diminui o esforço. Todos clamamos: “Ai de mim, sou obrigado a habitar nas tendas de Mesaque”, o Mesaque do lugar comum, onde as pessoas não pensam grandes pensamentos ou fazem nobres atos, e onde a beleza não vive. Nossos dias monótonos se arrastam, mas dificilmente podemos dizer que vivemos: portanto, todo o louvor ao poeta que percebeu o caráter vital da admiração. Mas Esperança – qual é o valor da Esperança! Pessoas práticas conectam a esperança com castelos na Espanha e outros bens intangíveis. Se quisermos saber até que ponto vivemos pela esperança, até que ponto é o pão da vida para nós, devemos ir onde a esperança não está. Dante entendeu. Ele encontrou escrito nas portas do Inferno: “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate.” O prisioneiro que não tem esperança de libertação, o homem com a doença mortal que não tem esperança de recuperação, a família que teve que abandonar a esperança pelos mais queridos, estes sabem, pela perda de esperança, que é pela esperança que vivemos. Nosso Deus é descrito como “o Deus da Esperança”; e poderíamos sobreviver a muitos dias sombrios se compreendêssemos isso, e que a esperança é uma posse real, se não tangível, que, como todas as melhores coisas, podemos pedir e ter. Deixe-nos tentar conceber a possibilidade de passar por um único dia sem qualquer esperança para esta vida ou a próxima, e uma morte súbita recai sobre nossos espíritos, porque “nós vivemos pela esperança”.

[¶22] Mas nós também vivemos pelo Amor, pelo amor que damos e pelo amor que recebemos, pelas incontáveis delicadezas que saem de nós e pelas incontáveis gentilezas que vêm; pelo amor do próximo e do amor do nosso Deus. Como todo amor implica dar e receber, não é necessário separar as correntes dos rios que se encontram. Não perguntamos o que nos faz felizes, mas somos felizes, cheios de vida, até que um único canal de amor e boa vontade seja obstruído, alguém nos ofende ou ofendemos alguém, e de repente a vida se esgota dentro de nós. Ficamos lânguidos e desprovidos de alegria, não estamos mais plenamente vivos, porque vivemos pelo amor; não por uma afeição consumidora e irracional de qualquer indivíduo, mas pela saída de amor de nós em todas as direções e pela entrada do amor de todas as fontes. E isso não é um estado de sentimento violento e excitado, mas é plácido e contínuo como o ato de respirar. Assim, recebemos em nós o amor de Deus e, assim, nossos próprios corações saem em resposta ao amor. “Vivemos de admiração, esperança e amor”, e sem esses três não vivemos. E qual é a consumação? Segundo Wordsworth, “uma ascensão gradual na dignidade do ser”. Vemos isso de vez em quando na bela velhice, serena, sábia, doce, rápida de admirar, pronta para ter esperança na esperança e sempre amar. Mas há um estágio intermediário. Estes três, que são idênticos aos três dos quais São Paulo diz: “agora habita estes três”, devem ser bem e sabiamente plantados; e aqui está a tarefa diante de nós, designados para educar os jovens.

[¶23] É a maior perplexidade de pais e guardiães que os jovens fixarão sua admiração e sua fé a objetos indignos, sejam estes os amigos com quem andam, os heróis de quem se deliciam, os livros que leem, os divertimentos que eles procuram. As admirações indignas ou pouco dignas os mantêm em estado de excitação, que eles confundem com a vida; e o pior de tudo é que não podemos fazer nada. Se desvalorizamos o que eles admiram, eles atribuem à nossa natureza irrisória e pouco generosa e não dão atenção às nossas restrições. Nosso único caminho é evitar o fervor de coisas sem valor, ocupando o lugar com aquilo que é digno. Não podemos dizer a um menino: “Você deve admirar tal e tal camarada”, mas ocasionalmente podemos colocar um bom menino em seu caminho e não dizer nada sobre isso; assim também com livros e homens: não podemos fazê-los admirar, mas podemos nós mesmos admirar com espontaneidade e simplicidade. Eles começam a se perguntar por que, a admirar também, ou descobrir por si mesmos um herói ou autor igualmente digno de admiração. Duas coisas que devemos tomar cuidado: não devemos falar muito sobre o assunto, ou o garoto verá como “verborreia”; não devemos ser intrusivos, mas devemos ser consistentes; e não podemos admirar nós mesmos coisas de nível mais baixo. Se a criança nos vir sentar para ler um romance inferior, desfrutando de um desempenho de segunda classe, um personagem de baixo caráter por causa de sua riqueza ou posição, o menino acredita que estamos professando um padrão a ele mais elevado do que acreditamos; os idosos farão concessões e entenderão que nos importamos com as coisas mais nobres, embora de vez em quando nos contentemos com o segundo melhor; mas as crianças são exigentes. “Precisamos amar o mais nobre quando o vemos”, e nosso objetivo é levar os jovens a ver o que há de mais elevado na vida e nas letras, na conduta e no motivo, sem aborrecê-los. Tudo isso parece mais difícil do que é, porque as crianças aceitam o padrão não expresso de suas casas. Se dermos nossa admiração, nossa fé, a “tudo que for amável e de boa fama”, se “pensarmos nessas coisas”, e não em coisas indignas, que somos livres para depreciar, estaremos a meio caminho de atingir “bem e sabiamente” a admiração dos jovens ao que é nobre.

[¶24] Eu disse que a é um termo intercambiável para admiração. A fé também implica a consideração fixa que leva ao reconhecimento e o reconhecimento que leva à apreciação; e quando nossa admiração, nossa fé, é fixada no mais alto, a apreciação se torna culto, adoração. Eu sei que estou tocando em um assunto sobre o qual muitos pais experimentam ansiedade e desconfiança. Eles acreditam que o conhecimento de Deus, fé em um Deus, é a coisa vital, e é verdadeiramente aquilo que eles estão mais ansiosos que seus filhos devam possuir, mas eles são tímidos em falar sobre o que eles mais têm no coração. Acho que nos ajudaria se compreendêssemos que em nenhum momento de suas vidas as crianças são ignorantes de Deus, que o terreno está sempre preparado para essa semente, e que o único cuidado da mãe é evitar chavões e expressões triviais, e falar com o frescor e fervor de suas próprias convicções. Acho que podemos fazer mais uso do que fazemos do hábito da meditação como meio de alcançar o conhecimento de Deus.

[¶25] Se adquirimos alguma noção de como fixar bem e sabiamente a Admiração dos nossos jovens, ainda somos vagos quanto à Esperança. Mas é necessário que devemos esclarecer nossos pensamentos, porque, talvez, o grande fracasso da época em que vivemos seja uma falha na esperança. É por falta de esperança que não esperamos pacientemente por um fim, nem trabalhamos com firmeza por isso. É por causa de nosso fracasso na esperança que não construímos, planejamos ou escrevemos para as gerações futuras. Vivemos para o presente, trabalhamos para o presente e devemos ter retornos imediatos. Vivemos pela esperança, diz o poeta, o que significa que sem esperança não vivemos; e que não há tempo suficiente para a nossa vida é o pensamento secreto de todos. Portanto, corremos atrás de mudanças, excitação, divertimento, qualquer coisa que prometa “passar o tempo”. Portanto, nossos interesses são fracos, nossos objetivos são baixos. Sem esperança também, não há medo. Podemos orar com nossos lábios: “Dá-nos um coração para amar e temer-te”, mas não tememos, e após uma provocação bastante leve, os homens se afastam da vida que lhes foi dada para um propósito. Um canudo mostra como a corrente flui, e um romancista deveria ter concebido a idéia de que um hotel conveniente para “suicídio sem ostentação” é um sintoma angustiante de nossa doença. Nenhuma grande obra é realizada por um povo sem esperança; e nós, na Inglaterra, não estamos realizando grandes obras no momento presente, nem em arte, literatura, arquitetura, legislação, nem em nenhum campo do esforço humano. Mas nações, como pessoas, têm seus momentos de doença e saúde; e porque a promessa recai sobre os jovens, vale a pena investigar as causas dessa doença profunda. Os sintomas são parcialmente físicos, sem dúvida; somos uma geração nervosa e sobrecarregada: mas os meios que devemos tomar para nos curar moralmente também removeriam nossas deficiências físicas. Queremos um tônico de Esperança “bem e sabiamente composto”, e devemos trazer os jovens a esse tônico.

[¶26] Pois bem, é extremamente fácil satisfazermos todos os desejos de uma criança imediatamente. É tão fácil dar a criança um deleite ou outro e com isso, providenciar para que todos os dias tenham seu tratamento ou sua nova posse, que as crianças se acostumam e crescem com o hábito de gratificação constante e sem qualquer prática de esperança. Até mesmo o aniversário é antecipado cem vezes no ano, e tudo vem – não para aquele que espera, mas para aquele que quer. Podemos, de qualquer modo, educar as crianças na esperança, fazer com que elas esperem e trabalhem para a bicicleta, ou o livro, ou o presente de aniversário, para que tenham coisas para esperar com ansiedade. Devemos alimentá-los com contos de grande esforço e grande realização, deixá-los compartilhar nossa aflição sobre as coisas que são como manchas em nossa vida nacional, alimentá-los na esperança de que eles mesmos possam fazer algo para tornar a Inglaterra boa e grande; mostre que é sempre uma única pessoa aqui ou ali, de tempos em tempos, que eleva a nação a níveis mais elevados e dá ao resto de nós algo para viver; que as pessoas que fazem um país grande podem ser uma menina pobre como Grace Darling, ou um camponês como Robert Burns, ou uma mulher que se aposenta como Florence Nightingale, ou o filho de um homem trabalhador como George Stephenson; que as únicas condições exigidas são aptidão, preparação e prontidão. Nós todos sabemos como Florence Nightingale se preparou e se treinou para uma carreira que não existia até que ela a criou. O jovem que sabe que há grandes chances de servir seu país esperando por aqueles que estão prontos para elas, e que sua preocupação não é buscar a chance, mas simplesmente estar pronto quando a chance surgir, vive uma vida de esperança e esforço, e certamente será um cidadão que adiciona à comunidade.

[¶27] Há uma razão para nossa desesperança mais profunda do que a depressão nervosa e a ansiedade que nos afligem, a gratificação imediata que exigimos, ou os objetivos pessoais que invalidam nossos esforços. Sem esperança, vivemos em um nível baixo, perturbando-nos com pequenos cuidados, nos distraindo com alegrias mesquinhas. A dificuldade é muito real. Recitamos, semana após semana, que “acreditamos na vida eterna”, mas, nesta era cientificamente aguda, perguntamos: “Qual é a vida eterna?” E nenhuma resposta chega até nós. Pode ser que, ao fazermos uma tentativa séria de entender que somos espíritos, esse conhecimento, o conhecimento de Deus, é a inefável recompensa colocada diante de nós; que não há indício de mudanças de local, mas apenas de mudança de estado; que, concebivelmente, as obras que começamos, os interesses que estabelecemos, os trabalhos pelos outros que empreendemos, os amores que nos constrangem – ainda podem ser nossa ocupação na vida invisível – pode ser que, com tal possibilidade diante de nós, devemos passar nossos dias com mais seriedade e esforço, e com uma esperança indescritível.

[¶28] Mas, se nós fixamos esperanças como estas sabiamente no coração das crianças, devemos pensar, orar, retificar nossas próprias concepções de vida presente e futuras; assim podemos chegar a uma grande esperança para as crianças e para nós mesmos; e a nossa libertação do Lamaçal do Desânimo deve resultar em uma vida mais elevada.

[¶29] Vivemos por Admiração, Esperança e Amor. Aqui, certamente, tudo é espontâneo e fácil, não exigindo nenhum esforço de nossa parte; e feliz é a pessoa, digamos nós, que tem amor suficiente para viver. Mas o amor consiste não em obter, mas em dar, e se distingue do tumulto das afeições que comumente assim denominamos. O amor é, como a vida, um estado, um estado permanente, diz São Paulo, que retratou a caridade divina de tal maneira que nunca pode haver nada a acrescentar, seja na concepção ou na prática. Se esperamos guiar as crianças para que elas possam bem e sabiamente fixar o seu amor, é necessário que déssemos um pensamento definitivo ao assunto, ser claros em nossas mentes sobre o que queremos dizer com amor e como devemos obter o amor e o poder de amar, ou melhor, manter esse poder, pois sabemos que a criancinha ama livremente. “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três” Eu me arrisco a pensar que dos três, se nos afastamos da fé e da esperança, ainda permanecemos no amor. Nosso vizinho se torna mais precioso para nós; quanto mais ele está angustiado e desconfortável, mais cuidamos dele e trabalhamos para o seu alívio. Talvez a paixão pela filantropia seja a característica pela qual nossa era será conhecida na história. “Escreve-me como alguém que ama a seus semelhantes”, podemos imaginar esta pobre defeituosa época nossa como oferta em atenuação por muitas deficiências? Sejamos gratos e façamos com que as crianças participem desse dom da época deles. Mas, porque nossa filantropia nem sempre é santificada ou instruída, o humanitarismo sentimental se torna nosso perigo. Ninguém deverá ser exposto a dureza, é o nosso decreto; ninguém sofrerá: especialmente, ninguém sofrerá pelo mal que fez; e levantamos nossas armas contra a severidade justa de Deus e do homem. Vamos “pensar claramente”, para que possamos corrigir essa atitude mental em nós mesmos e para as crianças. Voltemos aos caminhos antigos e percebamos que a vida é disciplinar para nós e para os outros; que “Deus está no seu céu, tudo está bem com o mundo”; que o sofrimento na vida atual não é uma coisa tão grande como pensamos; nem, se continuarmos com nossas vidas, é uma coisa tão grande ser despojada da carne? Se nós mesmos amamos as coisas que são amáveis, porque o amor é contagioso, as crianças também o farão. Mas não devemos apenas amar com sabedoria; devemos fixar nosso amor. Aqui, penso eu, fica uma precaução para nós nestes dias de entusiasmo passageiro, modismos cativantes;  nós realmente podemos fazer muito para formar o hábito da firmeza nos jovens ao nosso redor.

[¶30] Consideramos agora, ainda que de maneira inadequada, a grandeza da criança como pessoa, a liberdade que lhe é devida como pessoa, algumas formas de opressão que interferem em sua própria liberdade (a maioria das quais advém dele dentro) e o alimento pelo qual ele deve viver – Admiração, Esperança e Amor. Vimos que, embora não possamos fazer uma criança comer, é nosso dever colocar o alimento adequado em seu caminho; e, penso eu, deve ficar claro para todos nós, que o dever de pensar, compreender, perceber, é aquilo que nos impressiona; é somente aquilo que entendemos que podemos comunicar; e o que entendemos, que nos deixa impressionados, não conseguimos deixar de comunicar, porque se torna a nós mesmos, se manifestando em toda a nossa fala e ação. “Quem é suficiente para estas coisas?” Clamamos com o apóstolo; mas com ele podemos acrescentar: “Agradeço ao meu Deus”.

[¶31] Deixem-me encerrar repetindo novamente as grandes palavras de Carlyle: “O mistério de uma Pessoa, de fato, é sempre divino, para aquele que tem um senso de divino”: e aquela maravilhosa frase de Wordsworth, que se torna uma  pequena bússola para o nosso uso no segredo de como manter o mistério de uma “pessoa” inviolada: –

“Nós vivemos por Admiração, Esperança e Amor.”